Recentemente, a Fertilizantes Heringer, uma empresa listada em bolsa, confirmou a existência de um esquema de favorecimento de fornecedores em sua operação, que movimentou mais de R$ 50 milhões em três anos. O episódio é mais um a ilustrar a histórica dificuldade das empresas do agronegócio para lidar com questões de compliance.
“O agronegócio tem evoluído, mas, de forma geral, ainda carece de muitos controles”, disse Ian Cook, diretor executivo da StoneTurn, em entrevista ao Valor. Fundada há quase 20 anos, a consultoria é especializada na investigação de fraudes e corrupção em empresas.
Segundo ele, a fraude na contratação de fornecedores é o crime financeiro mais comum. “Ele está no topo das preocupações dos clientes que nos procuram para fazer um trabalho de due diligence para M&A [operação de fusão ou aquisição]”, diz.
O especialista conta que há características comuns aos negócios do segmento que dificultam a adoção de mecanismos de controle efetivos. Dentre elas, a principal é a gestão familiar, em que há “uma confiança excessiva em funcionários, só porque eles têm décadas de casa”, explica.
Nas empresas menores, outro problema é a falta de registros das negociações com os fornecedores. “Algumas tratativas acontecem de maneira informal, muitas vezes em dispositivos privados aos quais não se tem acesso posteriormente”, relata. Os investigadores precisam verificar informações da empresa para identificar valores que não fazem sentido ou que estão maquiados, por exemplo.
Cook defende que as equipes de compliance precisam atuar na rotina das empresas para que consigam coibir crimes. “Quando existe a percepção de que o funcionário pode ser pego, diminui muito o risco de fraude”, diz.
O especialista afirma que esses esforços têm custo e impacto operacional, mas nada que se compare a um escândalo de corrupção. “É questão de impedir perdas financeiras e a própria inviabilização do negócio”, diz. Segundo ele, um bom trabalho de compliance também agrega valor à companhia.
Antes de entrar no ramo de investigações empresariais, Cook trabalhou no mercado financeiro. Ele conta que é comum fundos desistirem de investir em alguns negócios quando detectam má governança. “A falta de controle pode exigir um trabalho de anos e afugentar investidores e possíveis compradores”, avalia.
O diretor executivo do Instituto Brasileiro de Direito e Ética Empresarial (IBDEE), Jair Jaloreto, sócio-fundador do escritório Jaloreto e Associados, diz que as empresas devem buscar responsabilizar os envolvidos em fraudes. Segundo ele, isso evita que se crie um sentimento de impunidade entre os funcionários.
“Se o funcionário vê que o último que cometeu um crime saiu ileso e recebeu todos os seus direitos, ele não terá um incentivo para denunciar se souber de algum caso”, frisa. Ainda assim, diz ele, muitas empresas preferem desligar os funcionários sem grande alarde. “Elas não querem expor ao mercado e à concorrência sua total falta de controle de processos”, afirma.
Em nota, a Heringer informou que estava estudando o que fazer contra os colaboradores envolvidos em esquema para reparar pelo menos parcialmente os danos que causaram. Segundo Jaloreto, entre as opções mais comuns previstas em lei está o sequestro de bens dos investigados. Os funcionários podem até perder esse patrimônio definitivamente após o trânsito em julgado do caso.
O advogado explica que, se o funcionário usar o recurso desviado para comprar bens físicos, o crime de fraude pode ser enquadrado como estelionato, furto qualificado e até como lavagem de dinheiro. Caso várias pessoas participem do golpe, elas também podem responder por formação de quadrilha. O tempo de prisão para os condenados pode passar de 20 anos.